MESTRE E MODELO DE ORAÇÃO
Pe. Antonio Geremia, OSJ
O Superior Geral na carta número 15 (Certosini e Apostoli, fevereiro 1979) nos apresentava o programa espiritual do ano em curso: a oração estudada, amada e vivida.
Penso que este trabalho, também em cumprimento às diretrizes do Vaticano II, deva ser realizado voltando às fontes, isto é ao Fundador.
E a propósito do Fundador, a ninguém passe desapercebido o “verdadeiro grande dom do ano Centenário: a proclamação da heroicidade das virtudes”.
Agradeçamos ao Senhor, também em nome de todos os outros confrades, que desejaram ver este dia e não o viram. Esta proclamação tira tantas dúvidas e incertezas e trás bem para perto de nós a figura e a vida do Marello. Confesso um meu pecado: no passado, lendo as obras (cartas, pastorais, homilias, direções espirituais, atos para a Beatificação...) batia-me uma dúvida: a esta doutrina corresponderam os fatos? Ou quem sabe são verdadeiras as teses sustentadas “pelo advogado do diabo”, sobretudo, quando diz respeito da crise vocacional, da sua força de vontade, o seu senso de justiça na questão com a Pequena Casa?
E, confesso, nem sempre, no meu íntimo, fazia pender a balança por parte do Marello.
Agora, ao invés, Roma falou, o Magistério da Igreja se expressou e por isso, toda a minha dúvida sumiu e, conseqüentemente, volto àquelas mesmas fontes com a certeza de ler palavras vividas e encarnadas nos fatos.
- O Marello exercitou de forma heróica as virtudes teologais da fé, esperança, caridade e virtudes anexas.
- O Marello pode ser proposto como “modelo” a todo o povo cristão.
O Marello, mais ainda, deve ser modelo para os seus próprios filhos que no seu nome são reunidos, sobre este modelo formam a sua personalidade e espiritualidade, com o seu estilo cumprem a sua missão na Igreja local e universal.
Ele mesmo escreveu a Pe. Delaude em 23/2/1869: “Uma alma bela como exemplar, e para frente em suas pegadas, a qualquer custo!” Para nós a “alma bela” é ele, sobre todos os aspectos.
Desta vez a consideramos sobre o perfil de “homem de oração, homem de Deus”.
ESTUDANTE
O ponto de partida do verdadeiro empenho é marcado pela sua “conversão”, e pela sua volta ao Seminário (13/2/1864). Desde este momento a sua ascese é um crescimento contínuo. As duas “normas agendorum” respectivamente de 1866 a de 1868 nos dão uma primeira idéia da importância que o Marello dispensava à oração. Nelas, querendo programar a “jornada cristã, a jornada de um clérigo estudante” estabelece:
- Pela manhã: Oferecem-se todas as ações a Deus“Iam lucis...” com o oremos.
- Missa: qualquer ponto de meditação preparado “impreterivelmente” na véspera; atenção às orações: entrando na Igreja esquecer de tudo e pensar que está tratando com um Patrão excelso e santíssimo”.
- Recolhimento no Agradecimento, leitura das Cartas de São Paulo e dos Provérbios e Livros Sapienciais.
- Rosário segundo o espírito da Igreja.
- Antes de adormecer, quatro versículos do Testamento para ruminar”.
E confiava na ajuda do Senhor: “Deus que é o Caminho, Verdade e Vida, estará ele no começo da nossa caminhada, nos ensinará a maneira de percorrê-lo e nos acompanhará ao Céu”.
São as premissas fundamentais que, unidas à “vigilância contínua do pensamento... e ao esforço contínuo, para poder reduzir a nossa vontade à sua função”, lhe “darão o primeiro passo e depois a perna continuará por si mesma”.
As mesmas coisas repetiam à vigília de sua ordenação sacerdotal, quando junto com Stefano Delaude, escrevia uma outra “regra” mais rigorosa e detalhada:
“- A oração é meio seguro de perfeição. Ela deverá, portanto ser considerada como o substrato de todas as nossas ações.
- Ao despertar, o primeiro pensamento deverá ser para Deus; a Deus deverá ser oferecido aquele pouco de violência que exercitaremos ao longo do dia sobre nos mesmos.
- Para afastar possivelmente todas as distrações da oração, entrando na Igreja, precisa um rigoroso silêncio na mente e no coração. “Age quod agis”(Faça bem o que está fazendo).
Colocar-se logo à presença de Deus e estar diante Dele por todo o tempo dedicado à oração.
- No fim do dia, antes de ir dormir, exame rigoroso de consciência, recitação do salmo penitencial Miserere, prostrado no chão.
- Invocação à Virgem, para que, nos obtenha a pureza dos afetos. Invocação dos Anjos e dos Santos, recolhimento e descanso.
E acrescenta outras regras especiais sobre:
- maneira de participar da Missa;
- o jeito de fazer frutuosamente as meditações espirituais;
- maneira de assegurar-se a tranqüilidade de espírito e a igualdade de humor.
- maneira de ter a nossa alma em contínuo estado de elevação.
SACERDOTE
A outra etapa da vida de oração pode ser individuada no seu primeiro ano de sacerdócio.
Ocasião: Pe. Stefano Delaude, “operosissimo, incansábilíssimo”, acusa um “enfraquecimento do espírito e um relaxamento de empenho”. Está em crise, diríamos nós hoje.
Confidencia-se com o Marello, que intervém imediatamente com a estupenda carta nº 23 e depois com outras cartas (8 de janeiro a maio de 1869) e o refrão é sempre o mesmo: a oração.
- “O que você faz das tuas 24 horas? Quantas delas emprega a rezar, a confessar, a fazer homilia, a recolher memórias do passado e estender planos para o futuro?” (Carta 23)
A oração é antes de tudo ... (Carta 23)
Oração vivaz, constante, importuna... (Carta 23)
- “Adeus, reza e reza muito; estes são dias de recolhimento, preparemo-nos em silêncio, esperando o sinal de Deus”. (Carta 25)
- “Reza, reza, e reza, não sei recomendar-te outra coisa” (Carta 33)
- “Rezemos muito e de coração; rezemos também quando não temos o gosto da oração; rezemos também na aridez do espírito; rezemos ao bom Deus que nos ensine a amá-lo e que acabe finalmente com a nossa tibieza”. (Carta 33)
Nesta atmosfera de oração nasce em Delaude o desejo da vocação religiosa, e no Marello mesmo manifestam-se os primeiros sinais de generosa dedicação total a Deus que culminarão na primeira idéia de fundar a Companhia de São José “promotora dos interesses de Jesus” (1872) e no desejo da trapa (1873). Não foi uma brincadeira este desejo ou uma tentativa de evasão, mas um anseio verdadeiramente grande de silêncio, de solidão, de recolhimento para poder estar na escuta de Deus, em diálogo com Ele, para dedicar-se mais ainda à oração e vida interior.
Fundador e bispo
Depois deste período nota-se algo de estranho, pelo menos nas cartas: interrompe quase bruscamente a insistência sobre a oração. Por quê? Porque no meu parecer, a oração é agora algo de espontâneo, vivido, diria com a máxima naturalidade e com aquela simplicidade de criança, a quem ele se inspirava. Diria que o Marello supera a esta altura o dualismo, a acaba nele o conflito entre contemplação e ação e tudo procede no equilíbrio mais perfeito entre as duas tendências e no harmonioso crescimento de ambas.
No meio de tanto trabalho e fragmentação de trabalhos, seja quando ainda morava em Asti e depois em Acqui encontra sempre tempo e modo para dedicar-se à oração e a realizar a união da oração com o trabalho cotidiano: vida de oração e oração de vida. E assim, como ele escrevia de Santo Inácio de Loyola que “tinha o mundo nas costas; o coração e a mente grávidos da maior instituição que homem algum no mundo tenha concebido a serviço da humanidade e mesmo assim rezava sete horas a cada dia...”, também ele dedicava muito tempo à oração, tão é verdade que nos processos apostólicos (P.S. parágrafo 965), fala-se de um Irmão Antonio que estava aos seus serviços, que “entrando a noite no seu quarto o encontrou diversas vezes ajoelhado no chão duro, aos pés da cama recitando o rosário ou mergulhado fervente oração que ele ficava profundamente edificado”.
O Marello torna-se assim devagarzinho com o trabalho contínuo sobre si mesmo com a força de vontade sua própria, e com a graça de Deus, aquele homem maravilhoso, que encanta na medida que se conhece:
O homem de fé que se apóia em Deus:
“Fé inabalável na Divina Providência...”
“Nenhuma garantia sobre as forças humanas.”
O homem da confiança em Deus:
“Renovemos o espírito cada momento e repousemos na Misericórdia de Deus que absorve todas as fraquezas da nossa natureza doente”.
“Devemos abandonar-nos à Providência como uma criança entre os braços de sua mãe”.
O homem da conformidade à vontade de Deus:
“Uniformidade completa à vontade de Deus”.
“Antes de não fazer a vontade de Deus, devemos desejar que nos seja abreviada a vida”.
O homem do abandono em Deus:
“Reafirmar a cada instante a confiança no Bom Deus”.
“Ser dócil ao Espírito Santo, deixando-nos conduzir por Ele em todas as coisas”.
O homem que experimenta e saboreia Deus:
“O dia transcorreu todo numa alegria inefável para o meu coração; a primeira parte com o Espírito Santo a quem tinha tanta coisas a pedir, e de quem devia receber tantas graças...”(é o dia sucessivo a consagração episcopal – 18/2/1889).
O homem forte que agradece: “também as trevas quando as adensa à vontade do Senhor” que “caminhará a passinhos senão poderá correr em nem ao passo, mas ficará de pé”.
Daqui nasce o seu fascínio:
- Em Asti era notoriamente conhecido como homem de grande oração (Atos da Beatificação).
- O Cardeal Gambá seu filho espiritual, o lembrará como homem de Deus.
- Um professor do seminário está explicando a Sagradas Cerimônias? Aponta o Marello como exemplo. As Irmãs Graglia desejam um orientador espiritual. Não tem dúvida: será o Marello pelo seu jeito de rezar.
- Um senhor de Acqui o encontra pela primeira vez em visita à Cartuxas de Pavia: será impressionado pelo seu recolhimento e a sua devoção.
- Aqueles de Savona podem exclamar: “Como reza bonito o Bispo de Acqui”.
MESTRE
Com esta riqueza e carga interior forma os seus discípulos criando uma verdadeira escola que formará homens de oração. Da história da Congregação que podemos ter toda em nossas mãos, podemos conhecer o que acontecia no Michelerio nos primeiros tempos “O Cônego Marello vinha freqüentemente entre nós para ter palestras nas quais seguindo de perto o Evangelho aprofundava a prática dele...”
Por uma ou duas semanas nos pregou os exercícios espirituais. Insistia também sobre a imitação de São José sobre o silêncio, sobre o costume do sinal da cruz, sobretudo ao entrar e sair do quarto e sobre o costume cumprimentar-nos com “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”.
O fervor da piedade dos primeiros irmãos no Michelerio era enorme.
E o que acontecia em Santa Chiara? Como se vivia; “Desde o início o Cônego Marello e os nossos se preocuparam com as funções litúrgicas que se realizavam na Igreja de Santa Chiara para que fossem bem celebradas, sejam aquelas ordinárias, seja extraordinárias”. Cuidava-se da exatidão das cerimônias; dava-se importância ao canto sagrado pelo qual se utilizavam as vozes dos Carissimi, dos colegiais e também de pessoas externas... “A santa missa em particular era celebrada por todos os nossos com muita devoção e tinha se tornado proverbial em Asti... Desde o primeiro ano 1884, Cônego Marello quis que se celebrassem solenemente as novenas da Imaculada e do Natal...”.
O ensinamento foi incisivo se de Acqui um ano depois de sua saída escreve congratulando-se e alegrando-se pelo zelo litúrgico (Carta 190). E de Strevi, descrevendo a vida dos irmãos em férias, anota:
“Todos são brilhantes... em meditar, salmodiar, rosariar, etc... tanto que esta casa de férias pode-se dizer que se tornou uma residência de religiosos e a capela um santuário”.
E assim formou o primeiro grupo de almas orantes, cujos nomes são bem conhecidos. Não seria difícil perceber no Marello todas as formas clássicas de oração: adoração, agradecimento, pedido de perdão, invocação de ajuda, nem falta as formas mais modernas, quais a busca da Palavra de Deus.
Nesse sentido são iluminadoras as Cartas Pastorais, nas quais se respira ar de Evangelho, de pedagogia de pura essência evangélica. Nem é o caso de aprofundar as suas devoções particulares ao Santíssimo Sacramento, a Maria Santíssima, a São José... que podem ser aprofundados em outros estudos.
Uma coisa fica clara: O Marello é verdadeiramente homem completo na doutrina e na prática no que diz respeito à oração.
CONCLUINDO.
“- Levantemo-nos então deste baixo horizonte de pigmeus e tomemos o lugar que nos convém como ministros do Senhor Deus”.(Carta 23).
“- Exaltemo-nos nos grandes modelos e trabalhemos”. E também podemos lembrar as expressões claras da Evangélica Testificatio nº 42 “A fidelidade à oração o seu abandono são paradigma da vitalidade ou da decadência da vida religiosa”.
E lembremos a recomendação de Paulo VI: “Devemos restituir à oração a sua primazia, a sua eficiência, o seu empenho, a sua dignidade simples e solene como convém ao culto do verdadeiro Deus e a colóquio filial ao Pai, mediante o Filho, no Espírito Santo” (L”Osservatorio Romano 24/12/1974).
E a pergunta que Paulo VI dirigia aos sacerdotes: “Conservamos o gosto da oração pessoal, da meditação e da liturgia das horas?” L”Osservatorio Romano 30/06/1968).
Artigo publicado em Certosini & Apostoli 3/1979
Tradução pe. Mario Guinonzi, osj