Sérgio Frasson
Numa realidade como a que é vivida em nossos dias, o que significa "amar a Igreja"?
Nós sabemos que amar, em poucas palavras, significa fazer com que o objeto amado seja aquilo que deva ser. Portanto, aplicando este princípio, podemos dizer que amar a Igreja significa contribuir para que ela seja aquilo que deva ser, ou seja, para que a Igreja possa atingir o fim à qual foi instituída.
Mais concretamente, no contexto moderno, podemos dizer: amar a Igreja significa viver na Igreja. E é aqui que devemos finalmente fazer entrar no assunto José Marello. Ele amou a Igreja? Ou seja, viveu na Igreja?
Como o título do tema faz ver, não é nosso objeto ressaltar este amor pela Igreja no decorrer da vida do Fundador, mas observar como este amor foi expresso nos escritos de D. Marello. Para isso examinaremos juntos aquilo que descobrimos, principalmente pesquisando suas cartas.
Vimos que amar a Igreja significa fazer com que ela possa atingir o seu fim. Isto comporta muitas coisas. Antes de tudo, saber submeter aquilo que possa ser de interesse pessoal em vista do bem comum. Corlno afirmou o Marello: "Rezemos. Os tempos tornam-se cada vez mais difíceis. Osinteresses individuais e particulares devem dar lugar aos interesses gerais da Mãe Igreja" (C.32).
Significa sentir e viver intensamente o lugar que cada um ocupa sem querer outra coisa: "Oh, meu caro Estevão - escreve o Marello - Você goza da consolação que eu não tenho, você trabalha bem no meio da Mística Vinha, você trata da grande tarefa de resgate das almas pecadoras, você guia orebanho do Senhor às pastagens da vida, e eu fico aqui fazendo a vontade do Superior. Posição diferente, possibilidade diferente de fazer o bem, maneira diferente de acumular méritos" (C.22).
Amar a Igreja significa viver unidos a ela.
Isto quer dizer: sentir as necessidades da Igreja e sofrer, alegrar-se, temer com ela, trabalhar por ela, esperar com ela. A Igreja no séc. XIX foi atacada por todos os lados, e de uma hora para outra temia-se um assalto em massa a ela por parte dos inimigos.
Como poderia um bom filho não se interessar e sofrer com a Mãe comum? "Quantos acontecimentos dentro do nosso microcosmo, na nossa esfera de ação, nesta nossa diocese, na Mãe Pátria, e por todo o continente europeu e, direi mais ainda, em meio a toda a peregrina família de Adão; não vale a pena abraçar um horizonte mais amplo, que compreende a tríplice Igreja militante, padecente e triunfante?" (C.25).
E ainda: "Cristo ressurgiu, Cristo vence, Cristo reina, Cristo está no meio de sua Igreja, poderoso e formidável! Ele disse uma grande verdade: 'Coragem, eu venci o mundo!'. Combatamos e esperemos" (C.39).
Amar a Igreja significa contribuir para sua atualização. Vimos, de fato, que a Igreja é uma realidade dinâmica em contínua necessidade de atualização. Todos, pois, devem colaborar. E José Marello contribuiu antecipando em um seu escrito uma grande realidade que hoje é muito exaltada. "Direi somente isto: que as forças internas da Igreja se multiplicam na razão inversa aos meios exteriores" (C.20).
E a Igreja de hoje lhe dá razão. Menos fausto, menos riqueza, mais simplicidade e pobreza, mais interioridade contribuíram para dar à Igreja um outro prestígio, para dar-lhe outra vez aquele prestígio todo espiritual que lhe é necessário para alcançar o seu fim e que no entanto, no decorrer dos séculos passados, foi muitas vezes ofuscado.
Amar a Igreja significa sentir-se vinculado, unido a todos oscomponentes desta comunidade eclesial.
O dogma do Corpo Místico não pode deixar de ser amado, estimado e vivido por quem ama realmente a Igreja e portanto, quer a sua perfeita unidade. Todos deveriam se sentir unidos e verdadeiramente o são na Igreja. E D. Marello, como ele mesmo atesta, viveu intensamente este dogma. "Asseguro, porém, que se o corpo é assediado por mil perturbações, a alma está sempre na presença de Deus, lá onde todos devemos correr a cada momento para renovar as forças. Quando se sentir cansado, erga os olhos, coloque a mão sobre o coração; você está na presença do Senhor, está com os amigos, está com a catolicidade. A comunhão dos santos é uma grande verdade; erga a voz, eu ouvirei aquilo que tu dirás. Pai, Filho e irmãos, uma corrente única de amor"(C.23).
Trouxemos alguns testemunhos pessoais do Marello que demonstram o seu amor sincero pela Igreja. Não queremos, porém, esquecer ainda um que nos mostra com breves e poucas palavras o que significa amar a Igreja e como foram estas indicações o seu pensamento e o seu programa de vida:"Armemo-nos e armemo-nos logo: a oração, o desapego às coisas que passam, o zelo pela glória do Senhor, a fome e a sede de justiça, a operosidade pela salvação das almas, o espírito de sacrifício, de mortificação, de penitência: eis as armas que devemos afiar, mantendo-nos todos abraçados à mesma bandeira, atentos ao mesmo apelo, exército permanente da Igreja, à qual nos chamou à sua defesa contra os inimigos poderosos e numerosos" (C.26).
Amor ao Papa.
Deixamos de falar sobre os belos escritos sobre o Papa, argumento que era inseparável daquele da Igreja, para fazer-lhe um aceno à parte, e colocar desta forma em maior destaque o quanto o Marello venerava e estimava o Chefe da Igreja, que para ele se concretizava nos nomes de Pio IX e de Leão XIII.
As cartas que nos reportam a estima que ele tinha pelo Sumo Pontífice são em grande parte do período juvenil, dos primeiros anos do sacerdócio, anos onde de maior forma ele deveria sentir o entusiasmo para agir e falar.
Como vimos, eram anos difíceis para a Igreja aqueles do Marello, assim como também para o Papa, seu chefe e guia. Eram os anos da tomada de Roma, da maçonaria, mas eram também os anos do Concílio, da esperança ...
Sim, se esperava em Pio IX e no Concílio, e muito: "Ainda dez meses e23 dias - assim se exprimia o Marel/o, na expectativa do início do Concílio - edepois veremos o Grande Pai dos crentes invocar o Espírito renovador ~obre aatormentada humanidade. Vinde Espírito Santo e renovai a face da terra. Coragem, meu Estevão, aquele será o grande dia para os homens de boa vontade" (C.23).
Como bom filho, o Marello, naqueles turbulentos acontecimentos políticos, sempre permaneceu agarrado àquela que ele mesmo chamava de "âncora de salvação". É uma lei psicológica que a dor comum nos une mais, e assim a cristandade toda se sentia mais próxima ao Sumo Pontífice naqueles anos difíceis.
"Quanto mais os revoltos sentem um desejo de independência que osleva a romper todo jugo de autoridade, por outro lado mais o cristão sente atendência em submeter a mente ao princípio da autoridade. É uma compensação tornada necessária pelos acontecimentos para reforçar entre osbons o vínculo de união, à medida que se vai relaxando entre os maus" (C.69).
A sua afeição pelo Papa é demonstrada especialmente por ocasião das várias audiências tidas com o Sumo Pontífice. Eis como ele nos descreve uma delas: "Somente a audiência com o Papa (que tive a sorte de ver, de ouvir, de tocar à vontade e sozinho com o meu bispo, em seu gabinete particular e o queé digno de nota, na noite do santo Natal; quantas oportunidades preciosíssimase inesquecíveis à minha memória!) me obrigaria a escrever duas páginas para desafogar plenamente os sentimentos que me brotam no coração aquela dulcíssima recordação" (C.60).
"Não me esquecerei jamais de uma sorte tão grande, e rezarei sempreao Senhor para que dê ao bom Papa Pio IX a retribuição pela bênção que ele sedignou implorar sobre mim e sobre os meus queridos parentes naquela noite memorável!" (C.61 ).
Para concluir, ainda um último pensamento. O Marello não é um personagem do passado, mas uma figura rica de ensinamentos também para a realidade atual, como procuramos mostrar.
Ele, de fato, nos ensina que os interesses particulares de todo gênero, também a respeito da Congregação, devem estar sempre subordinados àqueles gerais da Igreja; nos ensina que a ''fome e sede de justiça" são necessárias para podermos ser bons filhos da Igreja e esta ''fome e sede de justiça" compreende o saber reconhecer objetivamente os grandes méritos da Igreja em todo campo, mas ao mesmo tempo também saber revisar eventuais erros e buscar soluções; nos ensina a amar uma Igreja pobre exteriormente mas muito rica em suas forças internas.
Artigo publicado em "Joseph", n.7, ju1.1967.
Tradução: Pe. Roberto Agostinho, osj.