Pe. Mario Zani, OSJ
Jesus Cristo, àquele que o queriam seguir e alcançar a perfeição, punha como condição essencial a renúncia ao mundo e a abnegação de si: "Se alguém quiser vir após mim, renegue a si mesmo, tome sua cruz cada dia e mesiga. Quem quiser salvar sua vida, perdê-Ia-á, mas quem a perder por causa do meu nome, salvá-Ia-á" (Lc 9,23-25).
Os apóstolos não fizeram outra coisa que reproduzir em si mesmos e repetir aos outros os ensinamentos de Jesus Cristo. "Aqueles que são de Cristo crucificaram suas carnes, juntamente com suas paixões e desejos" (GI 5,24), escrevia São Paulo e afirmava: "Trato duramente meu corpo e arrasto-o como a um escravo, para que não suceda que, depois de ter pregado aos outros, seja eu mesmo desclassificado" (1 Cor 9,27).
Podemos multiplicar os textos da Sagrada Escritura em geral e os de São Paulo em particular: todos confirmam a necessidade da mortificação em ordem à vida cristã.
Os Padres, os santos de todos os tempos nunca esqueceram este ensinamento: toda a hagiografia está repleta de exemplos e ensinamentos sobre este tema. E não podia ser de outra maneira, porque sempre o homem é filho do pecado, pecador, chamado a uma vida sublime, sobrenatural, na imitação de Cristo, cabeça martirizada de um corpo que não pode deixar de O seguir em tudo.
São José Marello, em sua vida e em sua doutrina, não podia deixar de enveredar por tal caminho.
Na doutrina
“A mortificação é o 'abecê' da perfeição" (E.E. 185) - dizia, querendo fazer entender que, na vida espiritual, não se progride de um passo, assim como não se pode aprender ler e escrever corretamente sem aprender o alfabeto. Mortificação, pois, que atinge o homem todo, corpo e espírito: 'Treinemos, de boa vontade, na mortificação deste nosso espírito preguiçoso, desta nossa carne rebelde, desta nossa natureza corrompida; eduquemo-nos para amortificação de tudo o que o nosso coração tem de mais querido" (C. 92).
E por quê isso? Porque "enquanto a penitência é cobrança daquilo que devemos no passado, é, ao mesmo tempo, preventivo contra as quedas ou meio útil para aumentar os nossos merecimentos diante de Deus" (E.E. 63). Meio, pois, de reparação de nossos pecados e arma de defesa e de ataque na vida espiritual.
O Marello, porém, bem sabia qual é a origem de todas as nossas quedas: o amor próprio. "O amor próprio, em nossa natureza, um inimigo que nunca conseguimos subjugar completamente e que nos dará motivo de luta até amorte" (E.E. 226). Por isso às grandes mortificações (que podem incentivar à vaidade), ele ensinava a preferir as pequenas e freqüentes e quase incessantes, que nos provêm da vida, das situações comuns, do dever cotidiano (E.E. 62-63).
Por isso mesmo, à mortificação exterior do corpo, tão útil e recomendável, antepunha a mortificação interior do espírito, de longe mais excelente e útil para a alma.
Gostava de repetir as palavras de Santa Tereza: "Que culpa tem ascostas, se a língua falha?" (E.E. 285) e acrescentava: "Se não tivermos a sorte de sermos mártires da fé, poderemos, porém, sempre ter o martírio espiritual da alma, submetendo e sacrificando nosso juízo, nossa vontade, nosso amor próprio ao juízo, ao querer, ao desejo dos outros, com a intenção de fazer coisa agradável a Deus; e podemos ter certeza que Deus irá acolher com gratidão estes pequenos e humildes sinais do nosso amor para com Ele"(La Via della Perfezione, v. 11, p. 116).
Ele sabia que a finalidade de todo este trabalho de renúncia, de morte a si mesmo, é a união com Deus e por isso dizia:
"Aprendamos a nos desligar inteiramente de nós mesmo, de nossos gostos, de nossa vontade, de nosso julgamento, não busquemos em nossas ações outra coisa a não ser fazer o mais perfeitamente possível a santa vontade de Deus" (E.E. 359). A finalidade é, pois, esta: correspondência da vontade, generosidade de vida, união com o sumo bem. Nunca a morte pela morte, mas pela vida.
Esta sublime empreitada poderia assustar se considerada como luta do homem, sozinho, contra si mesmo e contra o demônio; nada de tudo isso. Se a finalidade é a vida de Deus, união sempre mais profunda com Ele, o meio, por assim dizer, é a força de Deus que está em nós e conosco: "Não nos assustea nossa fraqueza ... " (C. 46). "Repousemos na misericórdia do Senhor, que absorve todas as fraquezas de nossa natureza doente" (C. 73).
Na prática
Esta, brevemente, é a doutrina. A vida do Marello não foi diferente, muito pelo contrário, a ilumina e a encarna de uma maneira que é tanto mais impressionante, quanto menos aparente.
Caráter volitivo e tenaz, tinha feito o propósito árduo e heróico: "Violência contínua contra nós mesmo", atestou um seu colega de seminário, o cônego Riccio.
Não é por nada que nossos confrades mais antigos notaram sempre nele uma maneira de agir modestíssima e uma singular compostura de pessoa.
Quando estava ajoelhado para rezar, de mãos postas, nunca se apoiava ao genuflexório, não se voltava para a direita ou para a esquerda por simples curiosidade. E eram, é verdade, coisas pequenas, tomadas em si mesmas, mas, pela assiduidades e fidelidade com que eram praticadas, demonstram um grande desapego de si e um domínio sobre si mesmo, que é bem difícil alcançar ...
Sim, domínio de si mesmo. "É um espetáculo digno dos homens e dos anjos o homem que, em qualquer circunstância, é dono de si mesmo" (E.E. 30). E, escrevendo isso, ele não fazia outra coisa a não ser tocar sem o saber seu panegírico.
Mansidão de alma muito rara, perfeita igualdade de espírito e de humor, tanto que era incapaz de mudanças bruscas e repentinas. Este era o retrato que todos, unanimemente, nos oferecem deste "santo prelado". Mas não foram, estes, dons da natureza.
Caráter vivaz e ardente, muito sensível, venceu a si mesmo, colocando em ato aquela sentença: "Faça sempre o contrário daquilo que você gosta"(E.E. 186). Ele, porém, sabia que não estava sozinho nesta luta. Por isso,'Juntamente com a penitência" - recomendava - "amemos a oração".
Por isso ele era calmo, sereno e tranqüilo. Irradiava ao redor de si aquele "sensus Christi", que é o "senso do otimismo".
A dele era a serenidade e a doçura comunicada pelo "Espírito bom", oqual, como ele afirmava, continuamente "trabalha e opera em nossas almas"(E.E. 345).
Assim, tudo nele era corriqueiro, já que sua humildade e modéstia cobria suas obras o mais que lhe fosse possível. Nelas, porém, havia tal perfeição, tal espírito de piedade, tal perfume de virtudes, que tudo nele era admirável e o tornava amável a Deus e aos homens.
"No começo a mortificação parece uma coisa assustadora e repugna, como de noite, na escuridão, temos medo de qualquer coisa, que não passa de uma sombra. Assim, no inverno, olhar para aquela água fria dá medo, levantar cedo, de manhã, parece crueldade; mas, depois que foi vencida aquele primeira aversão, acostumamo-nos facilmente e já nem percebemos a dificuldade" (E.E. 48).
Artigo publicado em "Certosini & Apostoli", nQ 5, 1983.