O ESPÍRITO DO NOSSO FUNDADOR: ESPÍRITO DE RECOLHIMENTO NA PRESENÇA DE DEUS

-->
O ESPÍRITO DO NOSSO FUNDADOR:

ESPÍRITO DE RECOLHIMENTO NA PRESENÇA DE DEUS


IV Conferência do Pe. João Cortona
 Primeiro Superior Geral O.S.J.


            Queridos irmãos, esta era a máxima repetida com muita insistência e com razão pelo nosso bom Pai; de fato, nós fazemos promessa de imitar São José, por isso se entende implicitamente que prometemos atender à vida interior, que é aquilo que mais se admira em São José.

            Vocês todos sabem que ele é indicado como mestre da vida interior. Agora eu pergunto: como é possível atender à vida interior sem o recolhimento na presença de Deus?
            Portanto, não podemos orgulhar-nos de ser filhos de São José se não procuramos imitá-lo, nem podemos de forma alguma imitá-lo sem atender à vida interior, o que não é possível sem o recolhimento.
            Por isso eu acredito de estar fazendo bem à alma de vocês e, de conseqüência, a toda a Congregação, entretendo a vossa piedade sobre o argumento de suma importância que é o recolhimento na presença de Deus:
            1 – como meio indispensável para a vida espiritual;
            2 – também como meio muito eficaz para a vida de apostolado, a que todos nós somos chamados.
            Antes de mais nada, o que o nosso Fundador queria dizer quando nos recomendava de sermos cartuxos em casa. Vocês sabem que os cartuxos têm vida contemplativa, e para alcançar esta vida de oração, que se pode chamar contínua, eles se impõem um silêncio assim tão rigoroso que nunca falam, a não ser em circunstâncias raríssimas. Portanto, com esta máxima ele queria que tomássemos amor ao santo recolhimento na presença de Deus, de maneira que aos poucos chegássemos àquela vida de união com Deus que constitui o miolo da vida religiosa.
            Um religioso que não se preocupa com esta vida de união com Deus não pode ser chamado de religioso, no máximo será um bom cristão.
            Vejamos agora como somente com o recolhimento o religioso poderá atingir este seu ideal de perfeição religiosa.
            O santo recolhimento é como o sal da vida religiosa. Vocês podem preparar como quiserem os alimentos, mas se lhes faltar o sal, permanecem sempre insípidos e nunca serão saborosos.
            Da mesma forma, o recolhimento dá sabor a todas as obras a que nos devemos dedicar, de acordo com o nosso carisma. De tal maneira que entre as obras de um religioso recolhido e as obras de um religioso distraído acontece a mesma diferença que existe entre os alimentos com sal e os alimentos sem sal.
            Verifiquemos isso passando a eito todas as ações do dia. Toca a campainha para despertar: todos devem levantar-se mais ou menos imediatamente, mas o religioso recolhido lembra-se logo o pensamento à presença de Deus, coloca-se nas suas mãos pronto para fazer naquele dia e sempre a divina vontade, e eis que com este sentimento fica santificada a primeira ação do dia. Ao contrário, o religioso distraído deixa que a mente se envolva em mil pensamentos inúteis, colocando assim um impedimento à sua oração.
            Passa-se ao asseio pessoal. O religioso recolhido procura santificar também este ato com alguma jaculatória (...) e pede que, enquanto a água lava o seu corpo, a água da divina graça lhe purifique a mente e o coração.
            Dirige-se à igreja para a meditação, a Missa, etc. O religioso recolhido coloca-se imediatamente na presença de Deus, faz um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento, une a sua oração àquela que Jesus levanta continuamente a Deus no seu Sacramento de amor. Eis que se encontra logo unido a Jesus, pensa que deve passar meia hora na aprendizagem de tal mestre e presta toda a atenção para aproveitar das lições de tão grande mestre. O distraído, ao invés, começa a dever lutar com uma miríade de pensamentos, se mesmo se interessa em lutar, mas não tendo o costume de refletir sobre os próprios pensamentos, talvez deixe passar a meia hora sem tirar nenhuma conclusão para a sua vida prática.
            O que dizemos da meditação, podemos repetir a respeito da comunhão, da S. Missa, da Liturgia das Horas, etc. O religioso recolhido faz tudo com a atenção da mente, com o afeto do coração, e assim cresce cada vez mais no amor divino.
            Chegamos ao estudo. O religioso recolhido, além da oração comunitária que sempre faz com devoção e com reta intenção, oferece a Deus o estudo e pede que o acolha e que lhe dê luzes para que possa aprender o que está para estudar.
            O mesmo acontece quando se alimenta e quando se diverte.
            É verdade o que diz S. Tomás que quando alguém age conforme a razão, as suas obras por si mesmas são dirigidas a Deus, mas para a vida interior, para a vida de união com Deus, não é suficiente a oferta feita de manhã das ações em geral, mas é preciso que vez por vez, no início de cada ação, nós elevemos a nossa mente a Deus, colocando a intenção de que queremos fazer tudo por seu amor; e assim acontece o que dizem os mestres da vida espiritual, que estamos sempre servindo a Deus e amando-o enquanto estamos fazendo aquilo que ele nos manda; e, ao mesmo tempo, colocando a intenção de fazer tudo por seu amor, chegamos àquela vida de amor, de união com Deus, que constitui – como alguém disse – a alma da vida religiosa.
            E a aquisição deste recolhimento, como vocês mesmos podem julgar, não é enfim tão difícil. Trata-se de um pouco de boa vontade e de constância, o que todos deveríamos possuir, se pensarmos no grande benefício que resultaria para as nossas almas, e fazendo assim chegaríamos a viver “dias cheios” acumulando méritos infinitos para a eternidade. E se o deixarmos de fazer, sentiremos grandes remorsos no momento da nossa morte, e durante a vida ficaremos expostos ao perigo de perder até a vocação e de acabar mal.
            Mas há outra razão bem grande que nos deve motivar para buscar com todas as forças a vida interior através do santo recolhimento: ser apóstolos fora de casa.
            Pois Jesus nos diz: “quem permanece em mim produz muito fruto”. Ora, esta vida de união com Deus é aquela que Jesus quer de nós quando nos diz “quem permanece em mim”; é a vida sobrenatural por meio da fé, da esperança e da caridade, e por meio desta vida Jesus nos comunica o seu espírito, por isso podemos dizer com S. Paulo: “não sou mais eu que vivo, mas é Jesus Cristo que vive em mim”, e por isso não somos mais somente nós que agimos, mas age em nós o próprio Jesus Cristo e aí cada um percebe quanta eficácia adquirem as obras de apostolado.
            Esta vida de recolhimento nos torna sempre presentes a nós mesmos, nos ajuda a refletir sobre os nossos pensamentos e nos deixa prontos a afastar aqueles que podem prejudicar as nossas almas, fazendo-nos colocar em execução o ditado “age quod agis” (faça bem aquilo que você está fazendo” e faz com que estejamos atentos às coisas que estamos fazendo, controla o nosso coração para afastar dele os afetos que não são para Deus, coloca um freio à nossa concupiscência e um freio severo à nossa língua.
            Quem vive recolhido em Deus, faz a si mesmo com freqüência esta pergunta: no meu lugar, como se comportaria Jesus? Se estivesse agora estudando? Freqüentando esta aula? Tomando parte neste divertimento?...
            Quanto aproveitamento para a alma! Poderíamos dizer, quando tivéssemos adquirido o santo recolhimento: “Com ele recebi todos os bens”.
            Seja de qual for o lado que se considere a coisa, devemos concluir que com razão e muito bem o nosso bom Pai insistia na sua máxima preferida: sede cartuxos em casa e apóstolos fora de casa, e por isso devemos fazer dela um tesouro e colocá-la em prática porque o nosso bem e a glória de Deus assim pedem.
            Que o nosso bom Fundador, lá do Céu, onde temos todas as razões para crer que ele esteja, nos obtenha nesta noite a graça de fazer o propósito de cuidar do santo recolhimento e esta graça nós pedimos também à Sagrada Família agora e sempre. Amém.



Artigo publicado em MARELLIANUM, nº 11, jul/set 1994 pg.13 a15
Tradução: Pe. Álvaro de Oliveira, OSJ