Dom Marello: Exemplo e Mestre de Fé

DOM MARELLO: EXEMPLO E MESTRE DE FÉ
Pe. Antonio Geremia, osj

1. Vamos nos entender:

Não se trata da fé entendida somente em nível intelectual, como bagagem de idéias, como ortodoxia mental. Esta sem dúvida é algo requerido, mas não é tudo. Fé é como exprime o termo bíblico “emet”, da qual temos a palavra amém, isto é, aquela que sai do conceito de Deus como Deus de “aman” que expressa solidez, estabilidade, fidelidade; aquela que parte de Deus como Deus de “emet” - que exprime verdade-realidade consistente, algo que não pode ruir, aquela fé que parte de Deus como Deus, o de “aman” e de “emet” juntos mas, no sentido causativo, não estático, como aquela que produz certeza e estabilidade, como aquela que toma iniciativa e se torna guia da vida do homem.

A fé que agarra todas as dimensões da vida humana e por isso aponta uma atitude constante do homem pela qual: está ouvindo a palavra de Deus, pronto a acolher o seu desígnio; pela qual conta sobre Deus que é fiel a sua promessa; pela qual deixa-se educar e conduzir por Deus; pela qual ele adere praticamente e também nos pormenores ao pensamento de Deus e por isso mesmo se torna uma vida vivida na presença de Deus e na familiaridade com Ele.


2. Como Dom Marello se encontra diante de uma fé entendida assim?

No processo de beatificação Pe, Luiz Garberoglio, que tinha conhecido Dom Marello em 1884, declara no seu juramento: Dom Marello foi de verdade um homem de grande fé; a sua constância no enxergar as coisas à luz da fé, atesta que esta virtude foi verdadeiramente heróica, isto aparece de modo particular nas dificuldades e nas tribulações que ele precisou enfrentar.

Mas eu gostaria de dizer, que este justamente é o ponto de chegada, uma chegada na vida do Fundador; oferece-nos um marello maduro, embora este não tenha nascido com esta auréola na testa, mas formou-se santo aos poucos.

As primeiras reflexões sobre a fé, encontramos expressa na carta 10: “Precisa acreditar, sempre e uniformemente, lógica e tenazmente. Os grandes gênios nada valem, são os grandes carácteres que sacodem o mundo”.

Tinha somente 20 anos, exuberância e fervor juvenil. Mas aos 24 anos na carta nº 20, quando “sabe-se encontrar em uma posição cheia de embrulhadas e de dificuldades”, atesta de ser “o homem mais alegre e tranqüilo do mundo” e manifesta o motivo ao amigo: “Dir-te-ei somente de reafirmar em todo instante a confiança no bom Deus e de ficar persuadidos de que Ele talvez nos negue as consolações do Espírito, mas nunca Ele nos quer deixar privados daquela resignação a sua vontade que é a raiz de todo o merecimento... fechar os ouvidos a voz do demônio e ouvir somente a voz de Deus que fala de mil maneiras a todos os seus fiéis. Nós não conseguimos conhecer os seus segredos, a grande economia da providência, mas sabemos por via de fato que a fé opera todos os dias nas almas os maiores milagres.

Eis a primeira característica da fé: capacidade de escuta, abertura a Deus, acolhimento de Deus, e ler “os sinais dos tempos” procurando penetrar a “grande economia da providência”.

“Não ouvimos a voz do amor próprio e do demônio, mas procuramos ouvir sempre a voz de Jesus. Ele nos fala de diversas maneiras: ora indiretamente por meio de seus ministros, ora diretamente por meio das suas inspirações: ouçamos atentamente sempre e procuremos de corresponder aos seus convites”.

“Quando ouvimos a voz do amor próprio ou outras vozes deste mundo, não provamos consolações verdadeiras e duradouras, mas consolações momentâneas e vazias; de outra forma, quando escutamos a voz de Deus somos consolados profundamente, no íntimo da alma”.

Dom Marello o tinha percebido aos 24 anos, mas voltou a reafirmar tudo isso em Roma, depois da definição da infalibilidade pontifícia: “Sabemos pela fé que tudo é providencial aqui na terra” (carta nº 64), e também naquela ocasião, em Roma, ao conhecer outros Bispos e outros superiores de Ordens Religiosas, a profunda, ao meu parecer, a visão da Igreja, vendo-a mais espiritual, sobrenatural e universal. Depois fez uma síntese na carta 76 ao Cônego Cerruti quando escreve “quando o coração lhe dita” e traça os primeiros esboços da fundação: “fé incondicional na providência... Joguemos as bases da Companhia de São José sobre um terreno estável e firme não por uma comum e ordinária estimativa, mas segundo as indicações da fé. Nenhuma esperança sobre o concurso das riquezas, dos apogeus da estima, do encorajamento do mundo. Pelo contrário tudo proceda pelos princípios da fé e uma ilimitada confiança nas ajudas ao Senhor e a Ele somente tanto na abundância como nos defeitos”.

Daqui dai a segunda característica da fé vivida: o único apoio é Deus, o único sustento, o único guia, o único educador é sempre Ele: ilimitada confiança nas ajudas do céu”, gratidão na abundância como nos defeitos.

É nesse aspecto que, sobretudo, encaminha-se a direção espiritual e a pregação: abandono total na providência que constitui a maior e mais alta perfeição. “Quando se defrontar diante de algum perigo, então é tempo de confiar na providência, temos que abandonar-nos à providência como um menino nos braços de sua mãe”.

Às vezes cremos que não temos fé pelo fato de não a sentirmos, não experimentarmos esta fé, mas a fé não pode ver, não pode sentir, porque é uma coisa totalmente espiritual; contentemo-nos então de praticá-la fazendo atos de caridade, de humildade e todas as virtudes.

“A nossa fé no Senhor deve ser simples, íntegra, incondicional. Também na antiga Lei o Senhor, quando falava, exigia uma fé plena e absoluta. Abraão é louvado por causa de sua fé, porque acreditou não obstante as aparências contrárias”.

Esta recordação de Abraão, “Pai da fé”, é paradigma de todos os homens de fé, é indicativo. Este homem que unicamente sobre a Palavra de Deus, sem tanto discutir, mas com uma vida, enfrenta as várias provações: a do despego (“Sai da tua terra”); a do deserto (“Vai na terra que eu te mostrarei”); a do tempo (Bendir-te-ei, tornarei glorioso o teu nome”); a do sangue (“Toma o teu filho, aquele que você mais ama e oferece-o”); Abraão é citado muitas vezes nos escritos de Dom Marello e foi sem dúvida o seu modelo.

Também nele a fé não foi simples qualidade exterior sobreposta às manifestações e aos atos de sua vida, mas foi raiz inspiradora de todo o seu comportamento, baseado sempre na certeza do chamado de Deus e da presença de Deus na sua própria vida.

Ele manifesta esta fé no seu modo de pregar, de meditar, de celebrar a Missa. Leiam-se ou releiam-se a esse propósito os testemunhos que se nos apresentam do Fundador como: “verdadeiro homem de Deus”. Que deu espaço a Deus na própria vida, que atribui a Ele a primazia, a Ele a primeira e a última palavra que realizou em si mesmo naquela “certosinità”: viver como cartuxo que recomendava aos discípulos.

E quando ele catequizava ou exortava à catequese não tinha outra finalidade a não ser “anunciar o Reino de Deus, fazer conhecer, fazer amar, fazer praticar a doutrina de Jesus”. Quando se propunha e propunha aos seus, os exemplos de Maria e de José, e encontrava nestes modelos justamente as características de pessoas que ouvem a palavra, submissas, colaboradoras da palavra.

Assim Dom Marello resolveu a grande objeção de nossos dias: uma coisa é acreditar, outra coisa é viver, a vossa fé é separada da vida.

Dom Marello aparece justamente como homem de confiança em Deus. Também humanamente quando a situação é desesperadora, também quando ajudar as pessoas requer grandes sacrifícios. O início da Congregação não foi muito fácil.

A Itália e o Piemonte de 1878, religiosamente, não eram acolhedores para novas instituições religiosas. O Marello o sabia muito bem: “quantos podem ser incluídos ainda hoje como verdadeiros discípulos de Jesus nesta Itália, que por muitos séculos foi a terra clássica do Monaquismo. Quase ninguém mais pensa na prática dos conselhos evangélicos. Os noviciados estão desertos” (Carta 94).

Ele se interrogava se o espírito do mundo tivesse obscurecido às máximas do Evangelho, se os religiosos tivessem já acabado em seu tempo e concluía: “preocupemos em facilitar o estado da vida mais perfeita”, efetivamente trabalhou nesta direção e colocou-se em busca das almas dispostas a “irmanar-se”.

Ele as reuniu, pequeníssimas sementes e pequeno grupo, num quartinho do Michelerio. Também aqui aparecem as dificuldades, mas aparece um Pai que tranqüiliza e dá segurança em nome de Deus. Ainda na dura e dolorosa provação à qual o Senhor o submeteu com a “Pequena Casa”, encontrou Nele força e serenidade, confiança na divina Providência, prontidão no oferecimento da própria vida.

Concluindo: a mim parece que o espírito de fé seja certamente a mensagem do Fundador, um chamado para nós hoje a ver sobretudo as coisa à luz de Deus e os fatos da história, o nos encontrarmos juntos, o nosso trabalho apostólico como a realização da nossa vocação emissão.

Artigo publicado em “Studium Marellianum”, nº 2, ano 1, agosto/1979.