A VONTADE DE DEUS, CAMINHO DE PERFEIÇÃO DE JOSÉ MARELLO.


A VONTADE DE DEUS,
CAMINHO DE PERFEIÇÃO DE JOSÉ MARELLO.

         Pe. Mario Pasetti, o.s.j.

Tenho pensado em entreter-vos, nesta reflexão, sobre a uniformidade à vontade de Deus, pedra angular, bússola orientadora, segredo íntimo, grande meio e, ao mesmo tempo, fim do caminho da perfeição do B. Marello, nosso Fundador.
E ele mesmo a desvelar este seu segredo, numa carta de 7 de outubro de 1869, ao amigo Pe. Stefano Rossetti. Escreve o Marello, o que é um autêntico programa de vida: “Uniformidade completa à vontade de Deus: eis o grande meio para encaminhar-nos na via da perfeição; mas este meio toma-se, por sua vez, o fim, relativamente aos meios que devemos usar para obtê-lo”. (Carta 62)
Meio e fim, portanto, a vontade de Deus, que Ele - depois da breve debandada de Turim nos anos 1862-1863 - pôs em prática por toda a sua vida, através do exercício constante e heróico de todas as virtudes cristãs, na oferta total de si mesmo à vontade de Deus, a imitação e com a ajuda do Cristo Senhor, da sua Santíssima Mãe Maria e de S. José. Meio e fim para os quais incansavelmente tem também orientado os amigos, os seus filhos espirituais e em particular os seus Oblatos de S. José, como agora veremos.
Falava e escrevia a eles assim:
- Ao Pe. Stefano Delaude, em janeiro de 1869, no início do seu sacerdócio e de seu serviço como secretário de Mons. Carlo Savio: “Oh meu caro Stefano, você goza de consolações que eu não gozo, você trabalha no belo meio da vinha mística, você trata da grande tarefa do resgate das almas pecadoras, você guia o rebanho do Senhor nas pastagens da vida - e eu estou aqui para, sem dúvida, fazer a vontade do superior. Posição diferente, possibilidade diferente de fazer o bem, maneira diferente de acumular merecimentos. Seja feita a vontade do Senhor em tudo”. (Carta 22)
E pouco mais adiante, na mesma carta: “Espírito de luta, mas também espírito de resignação - buscar a glória de Deus mas, conforme a sua vontade, desejar muito e contentar-se com pouco - promover o triunfo da Igreja mas não recusar as nossas derrotas pessoais, as mortificações cotidianas do nosso amor próprio: assim se vive e assim devemos nos empenhar para viver em união com nosso Divino Mestre”.
- Ao Pe. Stefano Rossetti, em 7 de outubro de 1869, pouco antes de ir a Roma com o seu bispo para o Concilio Vaticano I, o Marello abre a sua alma numa página da qual já se acenou o ponto central: “Meu caríssimo Rossetti, tome a peito e não se apavore, por mais feios que se apresentem os espantalhos que o demônio nos suscita do inferno; também eu sinto em certas circunstâncias estes apertos no coração, estas angústias de espírito, que fazem provar em toda a plenitude da razão as teses do pecado original. Até que não toquemos no ápice da perfeição, estaremos sempre neste circulo (aliás, fonte de muitos merecimentos) de soerguimentos e quedas, de orações para obter a graça do bom propósito e do bom propósito para obter a graça da oração.

    Uniformidade completa ao querer de Deus: eis o grande meio para adiantar-se na via da perfeição; mas este meio torna-se por sua vez o fim relativamente aos meios que para obtê-lo, devemos usar. [..] Coragem, portanto, confiemos no nosso bom Deus, do qual S. Paulo nos diz que non patietar t’os tentari supra id quod potestis... devemos sofrer muitas contradições na carne e no espírito mas esta é a nossa missão: carregar generosamente a cruz sobre as pegadas do Mestre. Ele nos dará a força necessária para que possamos alcançar, sem desviar-nos, a grande meta do paraíso” (Carta 52).

- Ao Pe. José Riccio, em 27 de junho de 1871, informando-o sobre o seu estado de saúde: “O meu estado de saúde era, é e será, como você sabe, conforme agrada a Deus: semelhante ao de uma panela rachada que, porém, resiste, quando se cuida para não dar-lhe qualquer batida, para prestar o seu serviço em todos os usos domésticos como uma panela nova. Por outro lado, me conservo sempre fiel àquele principio tão apropriado à condição nossa e à dos tempos: de viver o dia a dia esforçando-nos para reconhecer em cada evento a vontade do Senhor suffidt diei malitia sud’ (Carta 68).
- E ainda ao mesmo Pe. Riccio, em negociações para um cargo de vigário
paroquial: “Acima de tudo está a consideração que faz a vontade do Senhor, endireitando a proa do seu navio para onde acena o chefe da navegação [o bispo]” (18 de agosto de 1874; Carta 83).
- Enfim, uma última indicação a um amigo, por nós não conhecido, entre as tantas que se poderiam citar. E de setembro de 1876, pouco depois da sua viagem a Roma para as indulgências do jubileu, anunciado por Pio IX naquele ano: “Voltando à sua carta, repetirei o que devemos sempre ter presente ao espírito: a união da vontade nossa com a de Deus [deve] ser aqui em baixo na terra o nosso único trabalho, como aprendizado daquela união perfeita que se realizará no céu. Tudo o mais deve estar subordinado a esta, de modo que a lentidão mesma na aquisição da virtude não deve nos deixar apreensivos, quando tivermos bem compreendido que os hábitos virtuosos são um meio e não um fim e que está mais unido a Deus aquele que se encontra em luta contínua com as suas inclinações desordenadas, gemendo em seu coração e implorando humildemente a vitória, do que aquele que se encontra já na posse de muitas virtudes e talvez se esqueça de dar ao Senhor um tributo de gratidão proporcional ao seu estado” (Carta 88).
Quanta sabedoria e quanta intuição do coração humano nestas linhas amigas!
Alguma coisa, agora, também das suas instruções às filhas espirituais do Instituto Milliavacca, do qual foi Diretor espiritual por diversos anos:
- “Antes de não fazer a vontade de Deus devemos desejar que nos seja abreviada a vida” (Escritos e Ensinamentos, pg. 191).
- Durante os Exercícios Espirituais de 1881: “Não se trata de fazer ações grandes e extraordinárias, mas de fazer em cada coisa a vontade de Deus. Sejam pequenas ou grandes as tarefas que nos são confiadas, basta que as façamos por obediência à vontade de Deus e adquiriremos nelas grandes merecimentos. [...] Tenham esta máxima:  “Nada é vil, mas tudo é precioso quando se cumpre a vontade de Deus. [...]. O Senhor não tem necessidade de obras grandes, quer apenas que façamos a sua vontade, que nos vem indicada pelos legítimos superiores” (ib., pg 247-248).
- No sermão de 10 de agosto de 1886, Domingo depois de Pentecostes: “Cada manhã nós dizemos no Pai-nosso: Fiat voluntas tua, que seja feita a vontade de Deus como no céu assim na terra; mas muitas vezes o Senhor poderia tomar esta oração como um insulto e um escárnio, porque é como se lhe disséssemos: seja feita a tua vontade, mas não por mim e sim pelos outros; seja feita a tua vontade mas só até certo ponto e não mais além. Todavia a vontade de Deus se deve cumprir inteiramente e sempre por todos: se nós uniformizamos a nossa vontade com a de Deus, fazemos o nosso verdadeiro interesse; se, ao contrário, resistimos, causamos o nosso dano e colocamos em perigo a salvação da nossa alma” (ib., pg. 286).
A seus Oblatos o Venerável Pai Fundador não traçou um caminho diferente para alcançar a perfeição o seu estado.
            Já no Esboço da Companhia de São José, de 1877, a norma substancial de fundo e a de oferecerem-se inteiramente à vontade de Deus no desapego de si mesmos: “O Irmão de São José não é Religioso Professo mas simplesmente Oblato que se oferece continuamente a Deus, para tender à perfeição, desapegado de todo gozo do corpo e do espírito” (Carta 95).
- Depois, será bom reler quanto ele escreveu numa carta bastante forte, de Acqui, em 4 de abril de 1892: “Exclamemos, sempre concordando: Fiat voluntas Dei omnibus, e, neste meio tempo, meditemos sobre fatos que se sucedem com a permissão divina. Ir. Massimo, fiel à chamada do Senhor, sobe entre os anjos ao paraíso. Ir. Pedro, infiel à vocação, condena-se a si mesmo à prisão do quartel... Coitado, não soube humilhar o seu juízo e lhe pareceu doce ter o livre domínio mas agora percebe como ao invés de ser dono do seu juízo, aos poucos, se tomará seu escravo [...] Não se dá passos tão decisivos, com tamanha enérgica deliberação da vontade, sem ter-se antes movido temerariamente para o escorregadio.. Ah a obediência [...] Afligimo-nos porque não poucos Irmãos deixaram secar os rebentos desta virtude que São José queria bem enraizada em seus corações; deploramos a sorte deles e façamo-lo objeto de meditação para nós” (Carta 234).
- Paterna, mas clara com o mesmo objetivo, a carta escrita de Acqui ao Ir. Felipe Navone, em 6 de março de 1893. O caro Irmão encontrava graves dificuldades na continuação dos estudos e eis o que lhe disse o Fundador “Se Deus quisesse fazê-lo Santo como um Felice de Cantahce, seria grande sorte e você lhe seria companheiro no Paraíso, acima de tantos grandes doutores. A divina bondade não lhe deixou faltar aqueles dons que servem para formar um bom religioso e um membro operante no corpo da Congregação de S. José. Se, à semelhança deste grande Patrono, você tiver que servir a Jesus em tarefas modestas e inferiores às de S. Pedro, você pensará que o humilde Guarda de Jesus está mais alto no céu do que o grande Apóstolo” (Carta 248).
Concluo esta seqüência de pensamentos e máximas do nosso Pai sobre a uniformidade à vontade de Deus relatando, da carta ao Pe. Cortona, datada de Acqui, 26 de outubro de 1894, a sua última expressão de abandono nesta santíssima vontade, tanto mais significativa enquanto estava em pleno curso a espinhosa questão com a Pequena Casa do Cotolengo pela propriedade de Santa Chiara:
“Em torno dos Irmãos de São José a escuridão espiritual vai-se tornando sempre maior; escuridão que quase nos impede já de mover um passo com segurança. E sejam benditas também estas temerosas trevas se as adensa a vontade do Senhor. Caminhemos sem medo no escuro pensando que os Anjos nos estão vigiando para não deixar-nos tropeçar. Caminhemos a passos pequenos se não podemos correr; ou a passos, mas fiquemos de pé. Mas quando virá a luz? Eis o segredo de Deus” (Carta 272).
Resta-nos agora dar uma olhada rápida em algumas circunstâncias da vida do nosso Venerável Pai, que evidenciam ao máximo a sua generosa e filial adesão à vontade de Deus:
- 1863: pronto retorno ao Seminário depois da miraculosa cura do tifo, em Turim.
- 1868: serviço fiel, por 13 anos, ao seu bispo, que o quis como secretário enquanto o Marello sonhava com o apostolado direto.
- 1878: adesão a inspiração divina que o chamava, confortado pelo conselho do seu bispo, para fundar a Congregação dos Oblatos de São José, deixando o desejo de retirar-se para a Trapa.
- 1888: renúncia dolorosa a ficar entre os seus Oblatos, para obedecer ao Papa Leão XIII, que o chamava para ser bispo de Acqui.
- 1895: contra as pretensões da Pequena Casa, firmeza em defender os direitos da Igreja de Asti e de seus Oblatos, em razão de um Rescrito da Santa Sé.
- maio de 1895: últimos de tantos serviços episcopais seus, prestados fora da Diocese.
Estava doente mas, embora dissuadido, quis dirigir-se a Savona para as Festas Centenárias de São Felipe Neri, para manter a palavra dada “Vai-se a Savona, fazem-se as Festas de São Felipe, depois, se o Senhor o quiser, morre-se...”
- 30 de maio de 1895: em Savona, com a oferta suprema da sua vida para a salvação dos seus Oblatos, o nosso Venerável Pai põe fim ao seu noviciado no exercido da união à vontade de Deus; e inicia a união perfeita com o seu Senhor no céu. Sobre a mesa de cabeceira está aberta a “Imitação de Cristo”, na parte em que trata da glória celeste.
Podia bem dizer, como lemos em “Pensamentos”: “A palma está em cima no céu para quem sabe morrer triunfalmente”. Ele morreu triunfalmente, como o Divino Mestre, renegando a si mesmo para abrir-se só e sempre ao divino querer. Conquistou a palma.
Possa também cada um de nos viver e morrer assim: triunfando de si mesmo como verdadeiro Oblato e conquistando aquela mesma palma. Amém.


       
Artigo publicado em Marellianum – nº 11 ano 1994  pg 9 a 12
Tradução Pe. Giovanni B. Erittu, OSJ